quarta-feira, 14 de março de 2018

DAPHNE


Antonio Carlos Egypto





DAPHNE (Daphne).  Reino Unido, 2017.  Direção: Peter Mackie Burns.  Com Emily Beecham, Geraldine James, Tom Vaughan-Lawlor, Nathaniel Martello- White.  88 min.



Daphne é uma mulher jovem, que chega aos 30 anos de idade bastante perdida, com relação a si mesma e ao mundo.  Apesar de viver em Londres, uma cidade cheia de opções e possibilidades, sua vida é medíocre, de uma mesmice sem fim.  Não tem planos claros de vida ou de carreira e a experiência amorosa inexiste.  Resume-se a noitadas regadas a álcool, cocaína e outras drogas e sexo casual, sem compromissos.  Um quadro de desencontros e alienação.

Apesar de tudo, ou talvez por isso mesmo, a personagem Daphne, encarnada com brilho pela atriz Emily Beecham, é muito interessante e envolvente.  Estar desconectada de si e dos outros nos deixa numa espécie de suspense por algo que pode surgir e como ela lidará com a nova situação.

Quando a novidade aparece, a sensação do espectador é de frustração, já que Daphne é obrigada a se envolver num assalto que presenciou e em que alguém atirou, ferindo outro, mas ela não se compromete, nem demonstra intensidade de sentimentos.  Tenta passar ao largo, mais uma vez.  O registro do incidente, porém, trará resultados.




Do nada, o serviço de saúde liga para o celular de Daphne, oferecendo psicoterapia para que ela possa lidar com a situação supostamente traumática.  Ela, a princípio, nem quer saber do que se trata, depois, rejeita.  Mas acaba aparecendo, mostra resistência ao tratamento e tudo o mais que se pode esperar desse tipo de personagem.  No entanto, a verdade é que uma porta se abre e, mesmo a contragosto, pode se constituir numa saída para o impasse que era a sua vida.

O que me parece importante ressaltar aqui é o  quão valioso é um atendimento coletivo de saúde de qualidade.  Proporcionado e, mais ainda, oferecido, até com insistência, a uma população que, de outro modo, não teria acesso a isso.  Com as condições econômicas precárias da personagem e sem dar valor nem desconfiar do que poderia lhe trazer de benefícios, ela jamais buscaria esse tipo de ajuda, ou gastaria algum dinheiro nisso.  Repetiria a busca pela via da droga, gastando seu dinheiro lá, ou numa opção religiosa fundamentalista, talvez.  Reencenaria o círculo vicioso em que sempre esteve.

O filme do diretor escocês, estreante em longa-metragem, Peter Mackie Burns, escrito por Nico Mensinga, trabalha bem, com uma personagem sem clichês ou estereótipos, que tem complexidade e vai além das aparências.  Põe em evidência a realidade psíquica de uma camada feminina da juventude.

Espera aí.  Mas são dois homens falando pelas mulheres?  Pode isso?  Eu acho que pode, sim.  A ideia de que só quem vive o problema de dentro seja capaz de entendê-lo é falsa.  São ricos os diversos pontos de vista que podem oferecer-se para se compreender um determinado problema ou camada da realidade.  Não se trata de falar por, sem dar espaço privilegiado aos maiores interessados por estarem dentro da situação, no caso, as mulheres jovens, de classe média das grandes cidades, por exemplo.  Mas de oferecer uma visão complementar, alternativa.  Bom trabalho o desses homens que se propuseram a prescrutar o universo feminino, no filme “Daphne”.



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