quarta-feira, 10 de maio de 2017

O CIDADÃO ILUSTRE


Antonio Carlos Egypto




O CIDADÃO ILUSTRE (El Ciudadano Ilustre).  Argentina, 2016.  Direção: Gastón Duprat e Mariano Cohn.  Com Oscar Martínez, Dady Brieva, Andrea Frigerio.  118 min.



Um escritor oriundo de uma pequena cidade argentina, Salas, se projeta como grande nome da literatura mundial, vivendo na Europa por três décadas, e conquista nada menos do que o Prêmio Nobel de Literatura.  Esse personagem é Daniel Mantovani (Oscar Martínez).  O início do filme “O Cidadão Ilustre” é a sua consagração na cerimônia de entrega do Nobel, em Estocolmo, e ali já se vê seu espírito crítico e a insubmissão que lhe são característicos.

Se algum dia esse escritor, famoso mundialmente, resolver voltar para rever a pequena cidade natal de Salas, aproveitando um convite singelo para receber a medalha de Cidadão Ilustre da localidade, após cerca de 40 anos ausente, o que pode acontecer? 




Esta é a situação que o filme de Gastón Duprat e Mariano Cohn explora, na forma de uma comédia ácida, que lida com o efeito do sucesso cosmopolita sobre o mundo provinciano.  De um lado, o orgulho do conterrâneo mal disfarça a inveja.  De outro, uma espécie de entusiasmo patriótico é incapaz de ver o mundo para além das fronteiras nacionais.  Há ambiguidade em ver sua pequena localidade também se tornar famosa, mas pelo que ela tem de pior.  O desejo de usufruir das vantagens de ser o berço natal de um nome famoso no mundo vai de encontro à constatação da pequenez e mediocridade daquele espaço provinciano.  A descoberta de que a grande literatura se alimentou das lembranças desse pequeno mundo limitado e opressor acaba por trazer à tona o que as pessoas têm de mais obscuro: a agressividade destruidora. 




Tom Jobim dizia que, no Brasil, o sucesso ofende as pessoas.  Elas não podem suportá-lo.  Quando esse sucesso revela sua face crítica, inevitável, aliás, muitos se sentem diminuídos, rejeitados, dispostos até a matar, por inveja.  Isso não é um atributo brasileiro, ou argentino, é do ser humano frustrado, insatisfeito, que se sente rejeitado.

De qualquer modo, tudo o que escrevi até aqui, revela uma visão dessa história, não significa que seja a única ou que tenha que ser assim.  Pode ser a visão do escritor, que a ela agrega fantasia, exageros, dramaticidade.  O conflito existe, é real, mas pode adquirir diferentes configurações.  Uma vez mais, se coloca o tema da verdade, o que ela é, como alcançá-la, se é que existe.  E do que é factual e ficcional.  O filme lida com isso também, embora de modo pouco original.

No entanto, o conjunto do trabalho é muito bom.  A atuação de Oscar Martínez, excelente, e o tom cáustico da comédia funciona muito bem.  Além de tratar de um tema relevante. Não é nenhum besteirol, nem é nada apelativo.

“O Cidadão Ilustre” foi escolhido para representar a Argentina na disputa pelo Oscar de filme estrangeiro.  É uma coprodução com a Espanha e levou o prêmio Goya de melhor filme ibero-americano.



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